Passava das 22:00h. Os dois rapazes perceberam que a discussão que empreendiam não chegaria a lugar algum. Nenhum dos dois poderia admitir que estava enganado, causando no outro aquele sentimento de satisfação proporcionado pela vitória no campo de batalha das ideias. Contudo, já passava da hora daquele embate acabar.
"Fim de discussão", disse um dos rapazes, "o que eu disse é a verdade e ponto final".
"Tudo bem, disseste a verdade", replicou o segundo rapaz com tom irônico. "Eu estou errado e tu estás certo".
"Não te convences do que digo, mesmo admitindo que seja a verdade?", ironizou ainda mais o primeiro rapaz. "Gostaria de saber por quê".
"Pois te digo. De maneira alguma disseste a verdade. Esta, meu caro, não existe".
"Como não?"
"Como não? Ora, não existindo".
"Então defendes que não há, de maneira alguma, discurso verdadeiro?"
"Não preciso defender essa ideia. Ela se defende por si só, apenas pela sua força".
"Se estás tão confiante que é assim, que tal fazermos uma aposta? O vencedor paga o almoço de amanhã".
"E quais são as regras dessa aposta?"
"Simples! Te direi uma sentença e tu a julgarás se é verdadeira ou não", disse o primeiro rapaz com uma confiança de quem já sabia a priori que não poderia de modo algum perder.
"Estou esperando. Dize a sentença!"
"A sentença é esta: 'Se todo A é B e todo C é A, então todo C é B'. Dize-me agora, companheiro, não é esta sentença verdadeira?"
"De fato, a implicação terminística é necessária".
"Parece que amanhã eu almoçarei de graça!", disse o primeiro rapaz, tentando não demonstrar a alegria que sentia.
"Parece que amanhã não almoçarás de graça!", disse o segundo rapaz, imitando o mesmo tom de voz de seu interlocutor. "A necessidade na implicação terminística não torna a sentença verdadeira. Torna-a, no máximo, necessária em seu interior. És muito presunçoso! Acreditar que uma regra lógica, construída por homens que não tinham mais o que fazer, tem esteio para se sustentar como verdade! Não compreendeste a vida, meu caro!"
O segundo rapaz deu as costas e saiu. O primeiro achou graça, entrou em seu carro e foi para casa. Após uma noite de sono, nenhum dos dois se lembrava mais do que acontecera na noite anterior.
(Eu mesmo)