sábado, 23 de fevereiro de 2013

Furtiva simplicidade

Entre os poucos que conseguiram de fato chegar a uma compreensão mais adequada do mundo, nenhum mostrou tanta convicção quanto Alberto Caeiro. Em sua poesia, o poeta nos revela o que o conhecimento em geral não pode suportar: não existe um fundamento oculto para as coisas. Essa conclusão é fruto inevitável de um fato evidente: as coisas são simples, o mundo é simples; nada quer dizer nada, nada esconde nada. A razão pela qual somos ensinados (condicionados) a sustentar todo um arcabouço de noções complexas, todo um aparato de falsas ideias, reside na repulsa do ser humano pela simplicidade, na difícil tarefa de assumir que nada faz sentido. São essas atitudes humanas que ilusoriamente complexificam (até a palavra é difícil) o mundo. A teologia, a filosofia e as ciências modernas só "avançam" com a finalidade de manter oculta a simplicidade; vivem para sustentar a falsidade.

(Eu mesmo)

Filosofia e prostituição

O filósofo, desiludido dos sistemas e das superstições, mas ainda perversamente nos caminhos do mundo, deveria imitar o pirronismo de trottoir que exibe a criatura menos dogmática: a prostituta. Despreendida de tudo e aberta a tudo; esposando o humor e as ideias do cliente; mudando de tom e de rosto em cada ocasião; disposta a ser triste ou alegre, permanecendo indiferente; prodigando os suspiros por interesse comercial; lançando sobre os esforços de seu vizinho sobreposto e sincero um olhar lúcido e falso, ela propõe ao espírito um modelo de comportamento que rivaliza com o dos sábios. Não ter convicções a respeito dos homens e de si mesmo: tal é o elevado ensinamento da prostituição, academia ambulante de lucidez, à margem da sociedade como a filosofia. "Tudo o que sei aprendi na escola das putas", deveria exclamar o pensador que aceita tudo e recusa tudo, quando, a exemplo delas, especializou-se no sorriso cansado, quando os homens são, para ele, apenas clientes, e as calçadas do mundo, o mercado onde vende sua amargura, como suas companheiras, seu corpo.

(Emil Cioran)

A preguiça é uma carreira

Oh, se eu não fizesse nada unicamente por preguiça! Meu Deus, como eu me respeitaria então! Respeitar-me-ia justamente porque teria a capacidade de possuir em mim ao menos a preguiça; haveria, pelo menos, uma propriedade como que positiva, e da qual eu estaria certo. Pergunta: quem é? Resposta: um preguiçoso. Seria muito agradável ouvir isto a meu respeito. Significaria que fui definido positivamente; haveria o que dizer de mim. "Preguiçoso!" realmente é um título e uma nomeação, é uma carreira. Não brinqueis, é assim mesmo. Seria então, de direito, membro do primeiro dos clubes, e ocupar-me-ia apenas em me respeitar incessantemente. 

(Dostoiévski, Memórias de subsolo)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O arquiteto das cavernas

A teologia, a moral, a história e a experiência de cada dia nos ensinam que para alcançar o equilíbrio não há uma infinidade de segredos; há apenas um: submeter-se: "Aceitem o jugo", nos repetem, "e serão felizes; sejam algo, e estarão livres de suas penas." Realmente, tudo é ofício neste mundo: profissionais do tempo, funcionários da respiração, dignitários da esperança, um posto nos espera desde antes de nascer: nossas carreiras são preparadas nas entranhas de nossas mães. Membros de um universo oficial, devemos ocupar um lugar nele pelo mecanismo de um destino rígido, que só se relaxa a favor dos loucos; estes, pelo menos, não se veem obrigados a ter uma crença, a filiar-se a uma instituição, a sustentar uma ideia, a pretender uma empresa. Desde que a sociedade se constituiu, os que pretenderam subtrair-se a ela foram perseguidos ou achincalhados. Perdoa-se tudo, contanto que você tenha uma profissão, um subtítulo sob seu nome, um selo sobre seu nada. Ninguém tem a audácia de gritar: "Não quero fazer nada!"; se é mais indulgente com um assassino do que com um espírito liberado dos atos. Multiplicando as possibilidades de submeter-se, abdicando de sua liberdade, matando em si mesmo o vagabundo, foi assim que o homem refinou sua escravidão e submeteu-se aos fantasmas. Mesmo seus desprezos e rebeliões, só os cultivou para ser dominado por eles, servo que é de suas atitudes, de seus gestos e de seus humores. Saído das cavernas, guardou delas a superstição; era seu prisioneiro, tornou-se seu arquiteto. Perpetua sua condição primitiva com maior invenção e sutileza; mas, no fundo, aumentando ou diminuindo sua caricatura, plagia-se descaradamente. Charlatão movido por barbantes, suas contorções, suas caretas, ainda enganam.

(Emil Cioran)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Religare

Os programas religiosos televisivos, com todo seu arcabouço de curas milagrosas e promessas de riquezas, apresentam todos os atributos definitórios do ser humano: dominação, engano, hipocrisia e, sobretudo, enrolação.

(Eu mesmo)