“Entenda, as pessoas religiosas... a
maioria delas... pensam realmente que esse planeta seja uma experiência. É a
isso que se resumem suas crenças. Sempre há um ou outro deus se metendo nas
coisas, andando com mulheres de mercadores, dando tábuas em montanhas,
ordenando aos pais que mutilem os filhos, ensinando às pessoas as palavras que
podem dizer e as que não podem, fazendo as pessoas se sentirem culpadas por
gozarem a vida, e assim por diante. Por que os deuses não deixam as coisas como
estão? Todo esse intervencionismo cheira a incompetência. Se Deus não queria
que a mulher de Ló olhasse para trás, por que não a fez obediente, de modo que
fizesse o que lhe disse o marido? Ou, se Deus não tivesse feito Ló tão bobo,
talvez a mulher dele lhe prestasse mais atenção. Se Deus é onipotente e
onisciente, por que não fez logo o universo de maneira a ser como ele quer? Por
que está sempre consertando e se queixando? Não, há uma coisa que a Bíblia
deixa claro: o Deus bíblico é um industrial desleixado. Como não é bom de
projeto, não é bom de execução. Se houvesse concorrência, ele estaria falido. É
por isso que não acredito que sejamos uma experiência. Poderia haver uma porção
de planetas experimentais no universo, lugares onde deuses aprendizes põem à
prova suas habilidades. É uma vergonha que Rankin e Joss não tenham nascido num
desses planetas. Mas neste planeta...”
Mais uma vez ele apontou para a janela. “...não há nenhuma microinvenção. Os
deuses não dão uma passadinha aqui para consertar as coisas quando metemos os
pés pelas mãos. Basta olhar a história da humanidade para ficar claro que
sempre vivemos por nossa própria conta.”
(Carl Sagan, Contato)
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