sábado, 24 de fevereiro de 2018

As benevolentes

Os cadáveres empilhavam-se em uma esplanada, em pequenos montes desordenados, espalhados aqui e ali. Um forte zumbido, persistente, dominava o ambiente: milhares de moscas gordas e azuis voejavam sobre corpos, poças de sangue, matérias fecais. Minhas botas grudavam no chão. Os mortos já estavam inchando, contemplei sua pele verde e amarelada, os rostos disformes, como os de um homem com os olhos pisados. O cheiro era repulsivo; e aquele cheiro, eu sabia, era o início e o fim de tudo, a própria significação da nossa existência. Esse pensamento me revirava o estômago. Pequenos grupos de soldados da Wehrmacht munidos de máscaras de gás tentavam desfazer as pilhas para alinhar os corpos; um deles puxara um braço, que se soltou e ficou em sua mão; ele o atirou com um gesto cansado em cima de outro monte. "Há mais de mil", disse-me o oficial da Abwehr, quase murmurando. Todos os ucranianos e poloneses que eles mantinham aprisionados desde a invasão. Encontramos mulheres, até mesmo crianças. Eu queria fechar os olhos, ou tapá-los com as mãos, e ao mesmo tempo queria olhar, olhar tudo até me embriagar e tentar compreender pelo olhar aquela coisa incompreensível, ali, diante de mim, aquele vazio para o pensamento humano. Desamparado, voltei-me para o oficial da Abwehr: "Leu Platão?" Ele me fitou, pasmo: "Quê?"  "Não, nada." Dei meia volta e saí dali.

(Jonathan Littell, As benevolentes

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