É
um fenômeno eterno: a vontade ávida sempre encontra um meio, através de uma
ilusão distendida sobre as coisas, de prender à vida as criaturas, e de
obrigá-las a prosseguir vivendo. A um algema-o o prazer socrático do conhecer e
a ilusão de poder curar por seu intermédio a ferida eterna da existência, a
outro enreda-o, agitando sedutoramente diante de seus olhos, o véu da beleza da
arte, àqueloutro, por sua vez, o consolo metafísico de que, sob o turbilhão dos
fenômenos, continua fluindo a vida eterna; para não falar das ilusões mais
ordinárias e quase mais fortes ainda, que a vontade mantém prontas a cada
instante. Esses três graus de ilusão estão reservados em geral tão apenas às
naturezas mais nobremente dotadas, que sentem, em geral com desprazer mais
profundo, o fardo e o peso da existência, e que, através de estimulantes
escolhidos, são enganadas por si mesmas. Desses estimulantes compõe-se tudo o
que chamamos cultura: conforme a proporção das mesclas, teremos uma cultura
preferencialmente socrática ou artística ou trágica; ou se se deseja permitir exemplificações históricas: há ou
uma cultura alexandrina, ou então helênica, ou budista.
(Friedrich
Nietzsche, O nascimento da tragédia)
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